Um elemento diferenciador: uma noite
A obra de Luís Paulo Costa tem sido, por vezes de modo bastante discreto, uma base de discussão e confronto de ideias sobre questões como os limites da pintura na representação ou o estatuto da imagem como múltiplo e a sua remissão à condição de modelo para a pintura.
Não são estranhas a quem acompanha a obra deste artista com alguma proximidade e assiduidade as pinturas sobre tela em que revisitamos cenas e momentos do quotidiano contaminados pelo universo das imagens fotográficas e, mais recentemente, de matriz digital que o artista encontra numa deambulação livre, onde busca um elemento (o punctum de Barthes?) ou uma tonalidade cromática cuja relevância é intrínseca ao labor do pintor, e que se traduz numa necessidade absoluta de regressar ao trabalho da pintura como uma tarefa regeneradora da possibilidade da verdade que se propõe perante o olhar do sujeito. Esta ideia de verdade, na obra de Luís Paulo Costa, reside em parte na imperfeição e no detalhe, que o autor reconhece como distintivos da possível representação do real, ou seja, na capacidade que a pintura tem de desenvolver na observação subjectiva uma espessura do acontecimento representado que se sobrepõe à lâmina planificada da imagem fotográfica enquanto referente documental.
Contudo, a apropriação de imagens e objectos que Luís Paulo Costa resgata para o universo da pintura não se restringe à acção técnica da aplicação de uma capa pictórica sobre estes (as imagens ou os objectos). Ao invés, o artista age enquanto elemento diferenciador que reequaciona através do acto artístico a condição do olhar, fragmentando-o numa variável de categorias que circulam entre o observador atento, o espectador que procura a amplitude do acontecimento, ou o voyeur que se contrai perante a totalidade da imagem e procura um determinado sinal aparentemente menos visível.
É neste panorama estético e crítico que o projecto “uma noite” que Luís Paulo Costa construiu para o EMPTY CUBE nos alerta, em primeiro lugar, para a polissemia da linguagem como acto e como ferramenta semântica. O que aparentemente parece ser uma ironia, ou no limite uma tautologia, é parte integrante do processo do projecto. Uma exposição de uma noite, que ocorre durante uma apresentação única de uma noite, sob o título “uma noite” e cuja obra remete para o que resta de uma noite de celebração, cujo espólio é exposto como um amontoado de restos e de sobras arrumados e predestinados a um outro lugar, qualquer que ele seja. Nesta esteira, será a nossa vez de reconhecer as qualidades dos objectos que ali se encontram, como por exemplo as caixas de cartão que contêm garrafas e outros elementos da obra.
Em segundo lugar, o que essa noite pode projectar no nosso imaginário como um duplo de si mesma está inscrito na metáfora de Narciso, o espelho que preenche uma das paredes do cubo onde a obra se encontra instalada. E é no reflexo de si, ou do que resta, que nos reencontramos com a questão do duplo com que o autor sistematicamente nos interpela em cada obra; em cada vez que age como pintor sobre um objecto recriando-o como um outro de si mesmo e que ocupa o mesmo espaço impossibilitando o retorno comparativo ao modelo de que se serviu. Advertência simbólica acerca da pintura como representação que não devolve o objecto representado, antes porém emerge como uma pele orgânica que reconstitui o objecto num reposicionamento do olhar sobre a verdade das imagens independentemente de modelos e cânones e do correlato temporal do seu significado. Ainda que aparentemente diferente, o seu reflexo é a sua condição de possibilidade como lugar e como imagem.
João Silvério
Outubro 2012